Gentilmente, a Panini nos concedeu o volume #01 do mangá "O Marido do Meu Irmão" para resenha, feito pelo nosso parceiro
Flavio Haag do blog Itadakimasu.
Começou a quinta-feira e hoje nós vamos comentar a boa edição brasileira de Otouto no Otto que recebemos da editora Panini.
Otouto no Otto, mangá
seinen de Gengoroh Tagame que foi publicado nas páginas da Monthly
Action entre 2014 e 2017, sendo finalizado com 4 volumes encadernados.
Em 2018 recebeu uma adaptação live action de 3 episódios na televisão
japonesa.
No Brasil, chegou em abril com nome de O Marido do Meu Irmão
pela Panini. O mangá veio em formato big, o que deixou ele completo em
dois volumes, com o segundo sendo lançado agora em junho.
“A obra se passa na casa de Yaichi,
um pai que cria sozinho sua filha Kana. A história começa quando Yaichi
recebe a visita de Mike, um canadense que é nada mais que o marido de
seu falecido irmão, um irmão com que Yaichi inclusive não tinha contato.
Agora com essa “invasão” em sua vida, Yaichi precisa enfrentar uma
realidade com a qual não está acostumado.“
Vocês devem lembrar, em fevereiro eu fiz o CoV do volume 1 da edição francesa, link aqui. Bom, não irei repetir as coisas que comentei do volume um e nem irei comparar as edições brasileira e francesa.
Mas alguns pontos eu preciso “recomentar”
de certo modo, pois ao ler a edição brasileira e sua tradução elas
acabaram se transformando para mim, sem contar claro que esse volume é
2/1 e tem todo o material do segundo volume para comentar e que
aprofundaram ainda mais o debate.
Como falei naquele post, Otouto é um
mangá que não enfrenta apenas o grande e visível preconceito, ele serve
também para enfrentar aquele escondido, “inocente” e que na verdade nem a
própria pessoa sabe que tem. Coisas que consideramos sem importância e
que na verdade possuem um peso muito grande.
No primeiro volume vemos a relação do
Yaichi ao receber o Mike em casa e forma como ele lida com a
homossexualidade dos outros, é um volume que nos faz pensar no ponto de
vista “eu sobre eu” por assim dizer. Somos o Yaichi e ao ler essa parte
da história somos confrontados com a forma como nós pensamos o assunto.
Ter lido agora em português me fez
refletir ainda mais esse ponto de vista por conta da escolha das
palavras. Logo no começo tem a cena em que eles se conhecem e o Mike
abraça o Yaichi, que por sua vez não gosta nada disso. No seu
pensamento, o Yaichi diz “Me solta seu viado!” e eu percebi o peso com
que ele diz isso, como o tom é pejorativo. A edição francesa não usa
esse termo e puramente por eu não entender como seria o xingamento na
França, essa cena não tinha me parecido tão grave, tinha me parecido
mais leve como alguém mandando um desconhecido soltar ele.
Por isso comentei que iria pegar a edição
da Panini mesmo já tendo a da Akata, pois esse é um mangá em que a
tradução e os termos regionais influenciam demais sua percepção da obra.
Eu terminei de ler o volume com um sentimento pesado no peito que eu
não tinha tido na francesa, pois eu entendi melhor a história, senti
como aquilo era ainda mais forte e pesado.
E então vem a parte do segundo volume em
que somos o Yaichi vendo como as outras pessoas enxergam, como a
sociedade vê, é uma reflexão sobre nós enxergando os preconceitos dos
outros, vendo a vida dos outros. Também é interessante nessa segunda
parte que conhecemos outros tipos de preconceito, por mais que o
homofóbico seja o plano central, o autor usa sua obra para atacar também
outros preconceitos da sociedade japonesa.
Entrando um pouco em spoilers,
descobrimos nessa parte que o Yaichi não é viúvo, ele é um pai
divorciado e isso para muitos é quase um absurdo, alguém largado pela
esposa e que cria sozinho uma garotinha.
Temos também um momento mais rápido, mas
que mostra outro preconceito besta quando duas pessoas são proibidas de
entrarem na academia por possuírem tatuagens. Essa cena é interessante
de ver eles tentarem explicar o motivo para a Kana, já que no Japão
tatuagem é muito ligado aos Yakuzas. A garota não consegue entender
isso, se Yakuzas são bandidos, então todos com tatuagem são bandidos?
Aquelas duas pessoas que queriam usar a academia eram bandidos?
Eles não podem usar a academia porque tem
tatuagens, tatuagens não podem porque é coisa de bandido, mas eles não
são bandidos e tem tatuagens, então mesmo não sendo bandidos eles não
podem usar a academia. Vira um ciclo sem lógica em que o preconceito não
se sustenta e é bem bacana ver a forma como a Kana questiona tudo isso,
quando ela olha para o pai e diz “mas eles são maus ou não?”, porque se
não são, então porque não podem entrar? Uma criança apenas diz o óbvio:
se não são bandidos, então deixa usar a academia.
Nesse mesmo momento, temos o Yaichi se
questionando sobre a questão da homossexualidade do Mike. Pois o Mike
estava lá dentro com ele, estava puxando os mesmos ferros (até mais
pesados na verdade), fazendo as mesmas coisas. Então o que é que o Mike
realmente tem de diferente além do fato da pessoa de quem gosta?
E ai vemos dois capítulos nesse volume que coroam esse debate de forma perfeita.
O primeiro é da Kana querendo trazer uma
coleguinha em casa para conhecer o tio canadense. Porém a amiga não pode
ir, a mãe da garota não deixou pois acha que o Mike pode ser uma má
influência. A garota nem sabe o que esse termo significa e pergunta isso
para o Yaichi que tenta explicar. Aqui vemos um momento pesado, pois a
garota não consegue entender aquilo, como alguém pode achar que o Mike é
uma má influência? Isso quer dizer que o Mike é uma pessoa ruim? Mas
ela amo o tio, ele sempre tratou ela bem?
O Yaichi também se questiona sobre isso.
Nesse tempo convivendo com o Mike, em algum momento o cara se mostrou
ser alguém ruim? Então porque alguém pensaria que ele é uma má
influência sem conhecer? E ai ele se lembra que ele mesmo fez isso no
começo, ele mesmo se recusou a aceitar o Mike, ele mesmo chamou (em
pensamento) o Mike de viado e quis manter a filha o mais afastada
possível.
E essa duvida vem para nós: como podemos julgar alguém sem conhecer? Como podemos dizer que o Mike é uma má influência ou que os caras com tatuagem são perigosos?
O segundo capítulo que citei é o mais triste e que me emocionou.
Um garoto está rondando a casa do Yaichi e
isso deixa ele preocupado. Quando confrontado, o garoto pede para
conhecer o Mike e após uma conversa ele revela que também é gay, mas que
ele nunca tinha encontrado alguém com quem conversar sobre isso.
Esse trecho emociona, pois é um garoto de
15 anos, se abrindo com um completo desconhecido. É um assunto que ele
não consegue falar abertamente com os pais ou um familiar, era um
assunto que as pessoas não comentavam, que os poucos que falavam sobre
isso normalmente mostravam de modo pejorativo e ele não estava sabendo
como conviver com isso, de ter que se esconder.
Foi uma mostra bem reflexiva, o Yaichi
percebeu como teve que ser dificil para seu irmão lhe contar. Ele
percebeu também que, mesmo o Mike não tendo vergonha e não se
escondendo, não deve ter sido fácil para ele assumir. E isso já engatou
com o que falamos antes, pois o Yaichi lembrou a forma como as outras
pessoas estavam tratando eles, como a mãe da colega falando que o Mike
era uma influência e não deixando a garota ir até a casa deles.
Sinceramente, está sendo uma obra bem
educativa, mais do que apenas contar uma história, ela nos faz pensar
bastante sobre nós mesmos, sobre como vemos o mundo ou o como enxergamos
os outros. Ela nos mostra que conhecemos quase nada, que nossas
informações são poucas. Na verdade, ela nos mostra uma verdade bem
pesada: nós não queremos conhecer, não buscamos conhecer.
Querem um exemplo? Quantos aqui sabiam
que a bandeira LGBT possuí apenas 6 cores? Aposto que todos aqui achavam
que, por ser um arco-íris, ela tinha as 7. Mas não, ela possuí apenas
6. Sabiam também que o triângulo rosa é um simbolo que vem por causa dos
campos de concentração da 2ªGM? Que era a forma como os nazistas
marcavam os gays e por isso foi adaptada para um simbolo de luta e de
tudo que sofreram?
Eu não conhecia essas histórias, não
sabia o peso que um “simples” triângulo rosa carregava. Apoiando a luta
de dentro da minha bolha, eu ignorava o verdadeiro peso dela, eu não me
aprofundava. E Otouto me mostrou isso, que não adianta eu olhar só para
mim.
Buenas, o post tá longo e eu preciso encerrar pois é quase meio dia. Então vamos pincelar um pouco o acabamento da Panini.
Eu vou ser honesto de cara, achei um erro a edição big.
Ela está linda, está bem feita e acabada.
Capa fosca com verniz localizado nos personagens, lombada reta, páginas
bem alinhadas e offset de boa qualidade, as páginas coloridas são
perfeitas também. No geral, um excelente trabalho gráfico e que vale sim
os R$ 37,90 cobrados, ainda mais se lembrarmos que um volume normal custaria na casa de 20 facilmente.
“Tá Haag, se é tão bom, porque é um erro?“
Eu acho que esse mangá era a melhor chance da Panini fazer algo especial de verdade.
Vamos parar com essa história de que
offset é luxo, não é, depois do jornal esse é o pior papel do mercado de
mangás. Mesmo estando num ótimo trabalho gráfico, um big em offset é
pesado, é “duro” de folhear e cansa muito rápido a vista, ainda mais em
Otouto que é bem carregado em textos. Eu nem consegui abrir o meu para
tirar fotos.
Porque a editora não usa Lux Cream? É a única do mercado que não investe nesse papel. Faz um big em Lux Cream, fica ótimo.
Mas indo mais fundo, acho que nem o big
era necessário. Otouto tem apenas 4 volumes, é curtinho, então faz 4
volumes bem caprichados, com sobrecapa e um papel com Lux Cream e seria
provavelmente épico. Aproveita que é para um público maior e que na
teoria tem uma renda orçamentaria melhor, aproveita que é um título
diferente do padrão e faz algo novo. Não vai testar um formato desses em
um shonen de 20 volumes, testa ele num seinen de apenas quatro.
Não que o big em offset não seja novo. Mas poderia ser um pouco mais, acho que era a chance ideal.
Só que quero deixar claro, eu acho que poderia ter testado mais, ter inovado mais. É uma opinião pessoal de quem acha que a Panini deveria experimentar mais em seus formatos, ela ainda é muito 8 ou 80.
Agora, se eu for falar apenas do que eu tenho nas mãos e do que foi feito, seria uma imbecilidade minha dizer que é ruim.
O Marido do Meu Irmão está perfeito. É um excelente trabalho da Panini que não víamos a muito tempo, uma história maravilhosa em um acabamento digno.
Vou cravar de antemão o que provavelmente irei confirmar em janeiro: TEMOS O MELHOR MANGÁ DE 2019. Parabéns Panini, esse deu gosto de colocar na estante.
Agradecemos à Editora Panini pela cópia do mangá para essa resenha.
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